Pq a Lei Seca deu errado?
작성자 : 임두빈 작성일 : 2011-10-11 12:12:05 조회수 : 149

Por que a Lei Seca deu errado?

Convidamos 100 motoristas recém-saídos de bares ou baladas a assoprar o bafômetro. Resultado: 79 estavam alcoolizados. Por que as blitze já não assustam os paulistanos?

Vida Urbana - Rafael Barifouse. Foto: Dionisio Dias/Época SP - 01/10/2011

Durou pouco a política de tolerância zero para motoristas embriagados. Três anos e três meses após a entrada em vigor da lei 11.705 – a Lei Seca –, é cada vez menor o número de condutores que a respeitam em São Paulo. Por quatro noites, sempre às sextas-feiras e sábados, Época SÃO PAULO percorreu as principais zonas boêmias da cidade e convidou 100 motoristas recém-saídos de bares ou baladas a fazer um teste do bafômetro. O resultado: 79 estavam alcoolizados.

Se fossem parados numa blitz de verdade, 43% desses condutores seriam beneficiados pelo limite de tolerância, de 0,13 mg/l (miligramas de álcool por litro de ar expelido), enquanto 57% seriam multados e teriam a habilitação suspensa. Um em cada quatro não apenas perderia temporariamente o direito de dirigir como seria encaminhado à delegacia mais próxima, com alcoolemia suficiente para configurar crime (superior a 0,33 mg/l). Em um dos casos, o índice chegou a 0,79 mg/l, seis vezes o máximo tolerado.

São muitas as explicações dadas por quem ainda dirige alcoolizado. Morar perto foi uma justificativa recorrente. A maioria disse confiar na própria capacidade de manter o controle. “Quanto mais louco eu estou, mais devagar vou”, disse um motorista, com 0,43 mg/l. Mesmo quando os testes tiveram resultado negativo, houve quem dissesse ter tomado um chope ou duas taças de vinho. Nesses casos, o alimento ingerido ou o tempo decorrido desde o último gole contribuem para anular a presença do álcool. Raro foi encontrar quem tivesse abdicado do copo. “Moro no ABC e prefiro não arriscar”, disse um rapaz. Em geral, os motoristas sabiam que estavam infringindo a lei e até preocupavam-se com a fiscalização – mas só um pouco. “Tenho medo de cair numa blitz, mas não o bastante para deixar de dirigir; não sou obrigada a soprar o bafômetro”, disse uma motorista, com 0,66 mg/l. “Mudo de caminho, mas não de atitude”, disse, com 0,23 mg/l, a estudante A. R., de 23 anos.

Quando criada, em 2008, a Lei Seca tinha como principal objetivo mudar o comportamento dos motoristas. Na prática, não foi o que aconteceu. Uma enquete com mil pessoas realizada em setembro pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS) a pedido de Época SÃO ­PAULO mostra que apenas 34,8% dos paulistanos deixaram de dirigir após consumir bebidas alcoólicas. Alguns afirmam beber em menores proporções que antes. Quase 60% dos mil entrevistados, no entanto, não mudou a atitude. Ao mesmo tempo, 81% disseram jamais terem sido parados em uma blitz – e, dos que revelaram terem dirigido depois de beber pelo menos uma vez no último mês, 80,5% garantiram que obedeceriam à lei se houvesse mais fiscalização.

A constatação feita pela reportagem – e confirmada pela pesquisa do IBPS – coincide com a sequência de acidentes trágicos noticiada nos últimos três meses. Num dos mais recentes, em 18 de setembro, o auxiliar de bibliotecário Marcos Alexandre Martins, de 33 anos, atropelou e matou Miriam Baltresca, de 58, e sua filha Bruna, de 28, ao avançar sobre a calçada em frente ao Shopping Villa-Lobos. Segundo o delegado do caso, havia indícios de que ele estava alcoolizado. Seis dias antes, na mesma Marginal do Pinheiros, um rapaz de 20 anos foi arremessado de seu Mercedes ao bater em uma mureta, capotar e colidir com uma viatura da polícia. Ele havia bebido, sozinho, duas garrafas de vinho. Ele havia bebido, sozinho, duas garrafas de vinho. Em 8 de julho, um ­Porsche a 150 quilômetros por hora bateu no ­Tucson de Carolina Santos, de 28 anos, que morreu na hora. O condutor, Marcelo de Lima, 36, dava sinais de ter bebido. Três semanas depois, o administrador Vitor Gurman, de 24 anos, foi atropelado e morto pela nutricionista Gabriella Pereira, 28, na Rua Natingui, na Vila Madalena. Ela disse ter tomado apenas um drinque no jantar. Gurman voltava para casa a pé para não dirigir depois de beber.

Essas mortes engrossam as estatísticas de vítimas em São Paulo. O primeiro semestre de 2011 teve o maior número de homicídios culposos no trânsito desde a entrada em vigor da Lei Seca, em 2008, segundo dados da Secretaria de Segurança do estado. Foram 378 mortes, 12% a mais que as registradas no mesmo período de 2010. Mantida a tendência, será o ano mais violento desde o início da vigência da lei.

A MAIORIA NÃO SABE O QUE DIZ A LEI. TAMBÉM NÃO TEME SE ARRISCAR AO VOLANTE POR CONFIAR NA PRÓPRIA CAPACIDADE DE MANTER O CONTROLE.
POUCOS DEIXARAM DE BEBER

 

EPIDEMIA
No estado de São Paulo, a taxa anual de mortes no trânsito é de 11 por 100 mil habitantes, acima do limite de 10 por 100 mil usado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para identificar uma “epidemia”. Na última década, foram 1,5 milhão de feridos e 55 mil óbitos. Se carros e motos são as armas que mais matam, o álcool costuma ser a bala. “Ele é a causa mais proeminente de acidentes”, diz Mauro Augusto Ribeiro, presidente da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet). “A bebida está presente em 50% dos casos fatais e em 30% dos não fatais.” Para o ex-auxiliar administrativo Adriano Silva, de 23 anos, o susto veio depois de cinco horas bebendo.

Em dezembro de 2009, ele levava um amigo ao terminal de ônibus quando perdeu o controle da moto. “Você quer ser macho e mostrar que pode dirigir”, diz. “Fiz uma vez, duas, três… Uma hora tinha de acontecer.” Silva ficou em coma por dois meses. Após quase dois anos de tratamento na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), anda e fala com dificuldade. O amigo a quem dava carona quebrou uma vértebra, recebeu pinos na coluna e precisará fazer mais uma cirurgia para trocá-los. “Vou ficar bom em cinco ou dez anos”, diz Silva. “Mas ele vai carregar os pinos para sempre.”

Antes da Lei Seca, era permitido beber até 0,3 mg/l, o equivalente a três latas de cerveja, em média (a comparação varia em razão da estatura, do sexo e da quantidade de alimento ingerida). Hoje, quem apresenta mais de 0,13 mg/l é multado em R$ 957 e tem a habilitação suspensa por 12 meses. Índices superiores a 0,33 mg/l passaram a configurar crime, com pena de seis meses a três anos de detenção. Na prática, o maior trunfo da lei foi vir acompanhada por um número inédito de fiscalizações. Pela primeira vez, os motoristas sentiram o risco real de ser punidos e não ousaram pagar para ver. Muitos deixaram de beber – ou de voltar para casa dirigindo.

Obtida com exclusividade por Época SÃO PAULO, a primeira pesquisa do país a analisar o impacto da Lei Seca, feita pelo cientista ­Gabriel Andreucceti, mostra que as novas regras geraram uma redução de 16% na média mensal de mortes na capital paulista ao longo dos dois primeiros anos. “A lei levou a um consumo mais moderado, principalmente onde a fiscalização era maior”, diz Andreucceti. Também nos primeiros meses, a Secretaria Estadual de Saúde anunciou uma redução de 40% nas internações por acidentes de trânsito na rede pública. Nos últimos três anos, porém, enquanto o número de condutores no estado cresceu 10%, as internações acumularam um aumento de 29%. O custo desses atendimentos atingiu R$ 57 milhões ao ano – o suficiente para construir um hospital com 200 leitos. “Aumentou não apenas o número como a gravidade das internações, o que é um grande indicativo da ineficácia da lei”, diz a médica Júlia Greve, presidente do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da USP (OIT). “Os hospitais estão cheios de gente que não respeita as regras. E o sistema de saúde está sendo espoliado por isso.”

CADÊ A BLITZ?

A principal razão desse recuo parece ser o declínio na intensidade das fiscalizações. “Que blitz? Nunca vi essa tal de blitz”, diz uma motorista (0,05 mg/l) na porta de uma balada em Pinheiros. Durante duas madrugadas, percorremos 165 quilômetros nas cinco regiões da cidade, incluindo as 15 principais avenidas e todas as zonas boêmias. Apenas três blitze foram encontradas. “Ainda tem blitz, mas é insuficiente”, diz Mauro Augusto Ribeiro, da Abramet. “A fiscalização diminuiu e as pessoas voltaram a beber”, afirma Júlia Greve, do Hospital das Clínicas. A Polícia Militar contesta a avaliação feita por esses especialistas. “Aumentamos a fiscalização, principalmente em 2010”, diz o capitão Paulo Sérgio Oliveira, diretor da divisão técnico-operacional do Comando de Policiamento de Trânsito (­CPTran), que coordena a Operação Direção Segura na capital. Segundo ele, o número de condutores fiscalizados por ano triplicou e o índice de motoristas embriagados caiu. A falta de efetivo é, hoje, o maior problema. Mas não é o único, como ­Época SÃO PAULO constatou ao acompanhar uma operação.

Numa noite de domingo, a fiscalização começou com dez policiais, o mínimo estabelecido pelo regulamento da PM. Seis estavam de férias, doentes, em cursos ou haviam sido remanejados.

A cada motorista parado, um policial faz um teste preliminar. Se der positivo, o condutor tem a documentação checada e faz um segundo teste. Esse processo costuma durar 15 minutos – mas pode demorar mais quando há problemas na bateria do equipamento (algo bastante frequente, segundo os policiais). Quando o teste indica crime, um dos homens leva o motorista à delegacia, desfalcando a equipe. Ou seja: quanto mais motoristas flagrados, menor a fiscalização. Se o efetivo cair muito ao longo da operação, pode ser necessário encerrá-la mais cedo. Foi o que aconteceu na jornada acompanhada pela reportagem. Naquela noite, 180 motoristas fizeram o teste, seis foram multados e dois autuados criminalmente. O estudante ­Felipe Boscaini, de 22 anos, foi parado com 0,20 mg/l de álcool perto da Estação Cidade Universitária da CPTM. “Tomei três chopes, mas não fiz nada de errado”, disse. “Estava tranquilo, porque fazia muito tempo que eu não via blitz aqui.”

DE JANEIRO A JUNHO, HOUVE 12% MAIS MORTES NO TRÂNSITO DA CAPITAL DO QUE NO PRIMEIRO SEMESTRE DE 2010. MANTIDO O RITMO, SERÁ O ANO MAIS
VIOLENTO DESDE O INÍCIO DA LEI SECA

 

O EXEMPLO DO RIO

O estado de São Paulo ficou em sexto lugar no ranking nacional do Ministério da Saúde, com uma redução de 6,5% das vítimas de acidentes de trânsito no primeiro ano da Lei Seca – pouco acima da média nacional, de 6,2%. Já o estado do Rio de Janeiro lidera a lista, com uma redução de 32% no mesmo período. Segundo o major Marco Andrade, coordenador da operação fluminense, a intensidade e a persistência do trabalho explicam o resultado. Ali, a Lei Seca virou prioridade do governo. Uma comissão com membros do poder executivo, da PM e do Detran gere o projeto. Em São Paulo, essa função cabe apenas à PM – e a escassez de recursos humanos se transforma em um entrave de grandes proporções. “Cada órgão tem suas dificuldades e, ao integrá-los aqui no Rio, otimizamos recursos”, afirma o major Andrade.

A comparação entre as duas cidades revela uma fiscalização mais intensa para os cariocas. Em São Paulo, 460,7 mil motoristas foram testados desde o início da lei. No Rio, onde a operação começou com nove meses de atraso, foram 415,7 mil abordagens (confira quadro na pág. 64). As médias mensais mostram que a capital paulista, com o dobro de motoristas, fiscalizou 18% menos que a capital fluminense. A cada mês, segundo a média histórica, um em cada 194 condutores sopra o bafômetro no Rio. Em São Paulo, apenas um a cada 474. O engenheiro Wilson Bertolucci, de 26 anos, sentiu a diferença ao se mudar para o Rio há seis meses. “Estou maneirando, porque lá a lei fica em cima”, afirma.

Nas blitze cariocas, nas quais nenhum bafômetro é soprado sem que o condutor saia do veículo (para evitar subornos, por exemplo), 26 cadeirantes e agentes do governo abordam motoristas e distribuem material educativo. O mesmo trabalho é feito em bares e baladas. Essa equipe ainda dá palestras em escolas, universidades e empresas. Apenas em junho, 52 mil pessoas assistiram a elas. Não há paralelo em São Paulo. Depois de algum tempo sumidas, as campanhas educativas só voltaram à cidade no mês passado, por ocasião da Semana Nacional do Trânsito. Em geral, é a sociedade que acaba se organizando. Um exemplo é a associação Viva Vitão, criada por amigos de Vitor Gurman, o jovem atropelado na Rua Natingui. Além de distribuir material educativo e promover palestras, o grupo colocou na pauta da Câmara, graças ao vereador Floriano Pessaro (PSDB), um projeto de lei que proíbe a venda de bebida alcoólica nos postos de gasolina.

FISCALIZAÇÃO OSTENSIVA Blitz na Avenida Brasil, no Rio de Janeiro. A operação usa tendas e balões para ajudar a coibir o consumo. Foto: Antônio Teixeira/Agência O Globo

MARKETING OU RIGOR?

Enquanto São Paulo procura um caminho, o programa fluminense foi adotado como modelo pela OMS. Delegações de sete estados já foram até lá aprender. São Paulo não está entre eles. “O Rio é mais marketeiro, no bom sentido”, diz Oliveira, da operação paulista. “Talvez devêssemos investir nisso.” Pela lógica do capitão, o ­marketing seria uma das explicações para o grande número de celebridades autuadas no Rio. Questionado se famosos não dirigem alcoolizados em São Paulo, Oliveira esboça um sorriso: “Aqui a gente não divulga isso”. Curiosamente, a blitz que acompanhamos chegava ao fim quando a atriz Mariana Ximenes foi parada. Mas ainda não foi dessa vez que São Paulo registrou o flagrante de uma celebridade autuada pela Lei Seca. O resultado de 0,08 mg/l indicado no bafômetro soprado por ela estava dentro do limite tolerado. Aliviada, Mariana afirmou andar de táxi sempre que bebe. Por que não o fez naquela noite? Diplomática, contornou o assunto e se despediu: “Vai ver minha peça!”.

Celebridades ou não, todos podem usufruir uma margem de tolerância que não constava na primeira redação da lei. Graças a ela, a prometida tolerância zero virou tolerância zero vírgula treze. Essa decisão foi tomada pelo governo, com participação do Inmetro, com a intenção de evitar falsos positivos, que poderiam ser causados por bombons com licor, enxaguantes bucais ou desvios do bafômetro. Policiais e técnicos, no entanto, dizem que os bafômetros não acusam falsos positivos. Na prática, a tolerância virou leniência com quem descumpre as regras.

“OS HOSPITAIS ESTÃO CHEIOS DE GENTE QUE NÃO RESPEITA AS REGRAS. O SISTEMA DE SAÚDE ESTÁ SENDO ESPOLIADO”, DIZ A MÉDICA JÚLIA GREVE, DA TRAUMATOLOGIA DO HC

 

FLASHES DA EPIDEMIA Em sentido horário: (1) o Mercedes só parou de capotar ao bater numa viatura na Marginal do Pinheiros; (2) protesto no asfalto da Rua Natingui pela morte de Vitor Gurman; (3) destroços após colisão de Porsche e Tucson no Itaim Bibi; (4) parentes se despedem de mãe e filha atropeladas na calçada em frente ao Shopping Villa-Lobos. Fotos: 1 Hélio Torchi/AE; 2 Nelson Antoine/Folhapress; 3 Luiz Guarnieri/Futura Press; 4 Werther Santana/AE

 

SUPERAÇÃO Adriano Silva se acidentou de moto em 2009 e ainda anda com dificuldade. O amigo que estava na garupa ganhou pinos na coluna. “Fui irresponsável”. Foto: Marcos Muniz/Época SP

BRECHA NA LEI

Ainda há quem se recuse a fazer o teste, agarrando-se a uma brecha na lei que se popularizou como garantia constitucional, mas que advém do Pacto de San José da Costa Rica, assinado pelo Brasil. O documento internacional diz que ninguém é obrigado a produzir provas contra si. Virou uma forma de escapar de punições. “Sem exame de bafômetro ou de sangue, é impossível prender alguém, porque não se consegue comprovar o índice”, diz Maurício Januzzi, diretor de assuntos de trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “A lei caiu no vazio. Isso gera impunidade.” De olho nisso, um projeto de lei em tramitação no Senado propõe, agora, a possibilidade de prisão para todo motorista embriagado, independentemente da concentração de álcool, o que permitiria incriminar também quem se recusa a soprar o bafômetro.

Enquanto isso, o copo do paulistano continua cheio. “Não sei explicar por que continuo a dirigir depois de beber”, diz a atriz Lívia Kuntz, de 27 anos, flagrada com 0,39 mg/l na blitz acompanhada pela reportagem. Meses atrás, seu namorado foi multado pelo mesmo motivo e, apesar disso, ela não mudou de comportamento. “É um costume arraigado na sociedade”, diz o psiquiatra Arthur Guerra, do Centro de Estudos do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. “O álcool aumenta a confiança e o orgulho. Entregar a chave é admitir que não aguenta a barra.” Mudar de atitude já é difícil com fiscalização impecável, campanhas educativas exemplares e leis duríssimas. Imagine sem nada disso.

 

출처: http://epocasaopaulo.globo.com/vida-urbana/por-que-a-lei-seca-deu-errado/

Foto: Marcos Muniz/Época SP

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